Artigo do professoar Alcindo Gonçalves publicado em 29 de agosto de 2009 em A Tribuna, intitulado "Comidas e Vinhos", na seção Tribuna Livre.
- "Alguns provavelmente dirão que falar sobre comidas e vinhos é para quem tem tempo e dinheiro. É verdade. Mas não há dúvida de que cada vez mais gente, especialmente na classe média, está interessada nos prazeres da mesa e nas garrafas de vinho. Criou-se, de certa forma, uma onda de interesse e consumo em torno de restaurantes diferentes, especializados ou sofisticados, ao mesmo tempo em que crescem as confrarias, os cursos e reuniões com enólogos, e, é claro, a venda de todo tipo de vinho. Sei ainda de muitas pessoas - inclusive homens - que frequentam cursos de gastronomia, e fazem da cozinha seu hobby e passatempo.
O Brasil é úm típico país tropical, onde o consumo de cerveja atinge picos ano após ano. Por aqui, consumir vinho - uma tradicional bebida dos Países europeus e de alguns poucos do hemisfério sul - soava como um luxo incomum. Eu mesmo fiquei espantado quando estive em Portugal e outros Países da Europa no começo de 1974: lá o preço do vinho era menor do que o da água mineral!
Muito bem: vinho no Brasil era raro e de baixa qualidade.
Lembro-me dos Chateau d'Argent e Chateau Duvalier, que creio não mais existirem no mercado. Mas na úItima década avançou muito a nossa produção vinícola, crescendo em quantidade e qualidade. E os vinhos importados - da Argentina, Chile, Portugal, Espanha, França, Itália, e mesmo de lugares mais exóticos, como Austrália, Nova Zelândia e África do Sul - ocuparam espaço no mercado.
Lojas especializadas surgiram, confrarias se formaram. Enólogos internacionais, especialistas em vinho, vivem fazendo visitas e cursos enquanto organizam-se degustações e demonstrações. Não conheço dados ou estatísticas sobre o aumento do consumo, mas estou certo de que o vinho deixou de ser uma bebida para poucos.
Da mesma forma, há público para novos restaurantes. Aqui em Santos tivemos alguns memoráveis, como o Don Fabrizio, que um dia subiu a serra e se tornou Tatini, o Cibus, o Fifty-Fifty. Durante vários anos, porém, nada de novo surgiu. Ficaram os tradicionais, muito deles competentes, enquanto multiplicavam-se os restaurantes por quilo, a maioria de duvidosa qualidade, e as pizzarias, muitas delas com rodízios deploráveis.
O verdadeiro gourmet ficou sem opções. Na realidade, talvez não houvesse gourmets em Santos. Gourmet não é um Pedante e elitizado consumidor, ou crítico. É alguém que aprecia e desenvolve o prazer de comer, nos mínimos detalhes. E valoriza a decoração, o ambiente, o serviço, a originalidade dos pratos, o sabor de cada molho ou carne, a delícia de uma sobremesa.
Noto um movimento de abertura de novos restaurantes com essa proposta. Alguns aproximam-se do ótimo, outros nem tanto. O importante é a oferta de opções, a redescoberta do prazer de comer e de beber, não com refeições pantagruélicas e pratos capazes de servir um batalhão, mas com a delicadeza da apresentação e do sabor.
Enfim, comer bem e consumir vinhos especiais: alguém pode imaginar coisa melhor?"
Respondi via e-mail ao professor Alcindo e lhe informei por curiosidade que o Château Duvalier ainda existe sim, com custo aproximado de R$9,00. Já o Château d'Argent que era produzido pela Peterlongo, não é mais.